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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O Dia em que Ela Procurou – e Achou


Ela não sabe se deve. O endereço tá ali, mas. E se ela for pega? Nos dois sentidos. No sentido flagrada. No sentido atraída. Ela não pensa em ética. Em broncas. Em confissões que podem esfarelar a imagem dele. Ela não pensa. Ela desliza do dáblio dáblio dáblio ao ponto com ponto be erre e acessa o diário dele. Tudo o que passa numa cabeça que ela não decifra.

E se alguém chegar? Fecha a porta da sala. E se ele for capaz de descobrir a visita dela por suas páginas? Nunca viu nele esse tipo de super poder. Ele faz o tipo discreto. Que não exclama. Se tivesse um super poder, seria o da invisibilidade. E se ele estiver ali? Agora. Atrás dela. Bisbilhotando. Descobriria o tempo que ela vasculhou seus segredos. Cada clique. Cada toque. Cada fôlego engasgado. Cada frase que rouba e guarda na carteira, como se fosse para ela.
Ele se refere a madrugadas e orlas e bebida. Ele resmunga raciocínios com charme singular. Seus galanteios como cartadas no ar. E os pés dela balançando junto com o ritmo dos pensamentos dele.

Escondido entre títulos e datas e links, ela vê. No meio de orações salgadas e ébrias de tanta lua, ela vê. O chocolate. É ele mesmo. O chocolate que ganhou dele há duas semanas. Lê a frase com dedicação antes de juntá-la às outras na carteira. E sobrevoa a sala. A felicidade que há em compor as linhas de alguém. O prazer de incentivar a fuga de palavras. Palavras encarceiradas na garganta ou no coração. Ou no sexo, no caso dele.

Ela fecha o diário. Gozando satisfação. Ele pensa nela de vez em quando e, embora, isso pareça migalha, não é. Os dois nunca foram. Não há nada para se cobrar. Não há desculpa que precisou ser dita. Não há convite que precisou ser marcado. Não há nem o telefone dele anotado em algum pedaço velho de papel na sala. Não há nada. Há apenas aquela linha sobre ela e o chocolate. A linha mais adocicada.

E a mesma linha copiada a uma garota. Colada na página do perfil da garota. Entregue, por ele, à garota. A linha mais amarga. Ele, dono da linha. A garota, dona da linha. Quem é essa garota? A garota não é ela. É a garota capaz de libertar palavras empedradas. A verdadeira garota. Ela não. A garota também ganha chocolate. Mas também ganha linhas de presente. Não ela, que achou que. A outra, a garota. A verdadeira.

Ele foi pego. No sentido flagrado. No sentido atraído.

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